Em 1968 uma notícia vinda de fora causou estardalhaço
na imprensa brasileira: Os Beatles haviam gravado Asa Branca. A
notícia, anunciada por Carlos Imperial em seu programa na TV Rio veio junto com
o lançamento do novo disco do quarteto inglês, disco esse que ficou conhecido
como àlbum branco e se espalhou rapidamente causando grande barulho na imprensa
e no público. Luiz Gonzaga, claro, foi procurado para comentar o fato que
figurou na primeira edição da Revista Veja
, publicada em 11 de setembro de 1968, na qual Gonzaga declara: "os meninos ingleses tem muito
sentimento e não avacalham a música. A toada deles parece bastante com as coisas
do Nordeste" e
desafiou "agora é que eu quero
ver se os Beatles vendem mesmo." disse o Rei do Baião
desafiando os quatro garotos de Liverpool a ultrapassar a marca de 2 milhões de
cópias vendidas do disco em que Asa Branca foi gravada
originalmente.
Será que o Baião tinha
conquistado os Beatles? O maior fenômeno da música naquela época? A afirmação
partiu da canção The Inner Light gravada pelos Beatles e que possui
acordes que lembram muito o grande sucesso do Mestre Lua em parceria com
Humberto Teixeira. Abaixo está um vídeo com a canção, ouça e perceba a
semelhança.
Com a notícia e sua
repercussão Gonzaga era cada vez mais requisitados para entrevistas e
participações em programas de Tv e Rádio e seus discos tiveram um aumento
considerável nas vendas. Anos mais tarde, já em
1982, Gonzaga declarou numa entrevista concedida no Recife que tudo não passou
de uma brincadeira de Carlos Imperial.
"Não houve verdade não. essa mentira
quem pregou foi Carlos Imperial. Ele tinha um programa que denunciava muita
coisa, ele chegou com um disco lá e disse 'E agora quem vai dizer que iê-iê-iê
não é de Luiz Gonzaga? Olha aqui, Asa Branca acaba de ser gravada pelos
Beatles!' Houve aquela correria danada, todo mundo queria saber a verdade e eu
acabei foi ganhando dinheiro com isso, mas não passou de uma grande
mentira". Afirma Gonzagão.
mas será mesmo que um
boato se sustentaria por duas décadas sem ser contestado? De fato The Inner
Light tem uma linha melódica muito parecida com as toadas nordestinas. Os
Beatles nunca comentaram o fato e Luiz Gonzaga ganhou dinheiro com a suposta
versão. Seria mesmo mentira?
"Bem que poderia ter sido verdade, até
porque, é completamente proporcional a genialidade dos Beatles e a genialidade
de Luiz Gonzaga, ambos foram reis, são reis e sempre serão, pois nada nunca irá
se comparar a eles." Conclui João Pipolo, professor e fundador do grupo
Forró Danado e grande admirador de Luiz Gonzaga.
E como se trata de cultura nordestina toda essa
história virou o cordel Quando os Beatles Cantaram Asa Branca
escrito por
Rafael de Oliveira,
também conhecido com Dom Pirrito II
De boato não
credito
Mas esse dou
lealdade
Que um sujeito me
falou
Num programa da
cidade
Que Asa Branca do
Luiz
Virou rock de
raiz
Pelos Beatles de
verdade.
Bem, se de fato
virou,
Eu não tenho um
magistrado
Mas como eu disse:
credito,
Dou assim meu
informado.
Gil disse:
Caruaru
Rima bem com
Liverpool
E tá tudo com nó
dado.
Os Beatles são um
quarteto
Ringo Starr na
bateria
E o guitarrison
George
Liderando a
maestria.
No baixo está James
Paul
Que faz voz de negro
soul
Com John guiando a
ritmia.
Eles juntos já
bancaram
Sucesso no mundo
inteiro.
De tão bons venceram
“feras”,
Elvis foi logo o
primeiro.
Com canção de tom
vibrante
De efeito quente e
dançante
Da riqueza, um
“minhaeiro”.
E foi um tal de um
furdunço
Com “hard”, “please”,
“shout” e “do”.
De tanta coisa
bobinha
Em dizer “she loves
you”.
Oito dias por
semana
Do meu rádio o som
emana
“Uái do iu meique me
blu”.
Esses homens que são
beatles
Cantam em inglês
recorde
Da rainha já
ganharam
Até título de
lorde.
Mas parece que era
Membro
Do Império... já não
lembro
O título desse
acorde.
Mas eles deram
cantando
Pro mundo todo a
toada.
Eram muito dos
novinhos
Pra agüentar tanta
zoada.
Saíram cantando
Help!
Com mais lampião que a
Celpe
No meio da
meninada.
Depois veio Rubber
Soul
Até com canção de
adulto.
Além de tocar
guitarra
Da Índia tiveram
reduto:
A cítara do
George
Se tornou um nobre
alforje
Pra qualquer crítico
bruto.
Mas logo a
necessidade
De querer mais
renovar
Foi exigida por
eles
Pra música
salutar.
Foi Revolver no
sentido
Procurando até
ruído
Pro submarino
cantar.
E assim chegaram
mudando
Dizendo o
Psicodelismo
De muitas
inovações
Pra nós foi
Tropicalismo.
Um disco de um tal de
Pepper
Que até hoje inveja
rapper
E criou o
Pós-Modernismo.
A partir daí foi
tudo
Vendo
experimentação
Tocaram tanto
instrumento
Sem ter
catalogação.
Teve microfone a
nado
Guitarra de
retornado
Som doido de
assombração.
E aquele tempo era de
onda
Tinha Erasmo e
Roberto
Que com a linda
Wanderléia
Andavam sempre por
perto,
Com broto, beijo e sem
farda
Fizeram a
jovem-guarda,
Deixaram Luiz
incerto.
Luiz Gonzaga, o
grão-rei,
Tacou o forró no
Brasil.
Mas depois que esses tais
Beatles
Botaram seu inglês
vil,
Nosso grão-rei do
baião
Ficou de cara no
chão
Vendendo pouco
vinil.
Mas veio uma
notícia
Que o mundo todo
escutou
Não sei se deu em
TV,
Rádio, jornal ou num
show.
Os Beatles têm Asa
Branca
Na cuca, no ouvido e na
anca
E pouca gente
aceitou.
Asa Branca é um sonho de
hino
Que se resume em
tristeza
De cangalha do
sertão
De gente que é só
firmeza.
Da seca os verdes
olhares
Se espalham lendo dos
ares
Esperança e eterna
reza.
Asa Branca leva
peso
Com dois nomes para
autor
Além de seu
Gonzagão
Humberto veio a
dispor
Formando um xodó
tei-tei
Que Lennon e
McCartney
Também merecem
louvor.
Isso foi em sessenta e
oito
Desses mil e
novecentos
Disseram que Luiz
ia
Receber muitos
duzentos
Da moeda
americana
Pra ficar cheio da
grana
Mas foram outros
quinhentos.
Primeiro foi logo
assim:
Com a notícia dando
bote,
Em ouvido
disgramado
Dum bocado de
“reporte”.
Talvez tenha tudo
tido
Porte de
desentendido
Que o povo, aceso, fez
xote.
E deu foi um
mundaréu
De conversa doida e
nóia.
Não teve quem
confirmasse
Aquela notícia
jóia.
E pra não se dar
chamego
É lembrar do cabra
grego
Que engabelou toda
Tróia.
Mas o Rei do baião
via
Naquilo tudo
despeito.
Coçou do queixo o
sorriso,
Transpareceu do seu
jeito,
Aquela mania
peta
Do pião com a
carrapeta
- Quero ver se eles têm
peito!
- Quando cantei essa
nega
O Brasil todo
gostou.
Quero saber mesmo
deles
Se nesse inglês vai ser
show.
Baião não é feito
rock
Que é rápido feito
choque...
Quem dele riu se
cagou.
E o Rei, de fato,
selava
Peleja pr’esses
modernos.
Os Beatles de tão
supremos,
Sucumbiam nos seus
ternos
Orgulhos de tez
diversa
C’a prosa um tanto que
adversa,
Canções em tristes
invernos.
Emendando a
cantoria
Dos Beatles com nossa
trova,
Disseram que eles
gravaram
Com nome de coisa
nova
Uma tal de “Luz
Profunda”
Com som igual que
confunda
Caganeira com
desova.
E estando
calamitosa
A situação que se
deu
O antes incerto
Luiz
De novo
convalesceu
Do boato, se
verdade,
Deu Luiz de
novidade
E muito disco
vendeu.
E até nestes
horizontes
Muito lesão fica
louco,
Inclusive o
cordelista
Que de cantar fica
rouco.
Porém é tudo
salada
Que não tem gosto de
nada
Mas que se belisca um
pouco.
Contudo há novas
conversas
Que falam de uma
maleta
Onde uma fita
gravada
Está, só que ninguém
veta.
Ela pertence ao
Chifrudo
Que depois vai vender
tudo
Pra alguém fazer de
vinheta.
E encher o rabo de
grana
Relançando mil
versões
Pra publicar nos
retratos
Aglomerando
saguões
Das Bolsas em altos
custos
Enrolando os pobres
justos
Nisso e também em
leilões.
Só que evitando
negócio
John Lennon
surpreendeu
Antes da CIA o
matar
Prum bom cantor
sucedeu
Outra fita do
baú
E o nome dele é
Raul
Que a versão
sobreviveu.
Raul Seixas
retornou
Para o Brasil com a
canção.
Correu para
gravadora
E soltou seu
vozeirão.
“White Wings” era
ela
Raulzito cantou
bela-
Mente com o seu
jeitão.
E quem juízo
tiver
Tome sua
conclusão
Pois é verdade o que
digo
Nessa suma
redação,
Já que de argumento
faço
Não rejeito e abro este
espaço
Pra quem tiver mais
versão.
E cá o verso no
fim
Já tá chegando benta
hora
De pegar as letras
todas
E levar para
editora
E grato ao Mestre
Rodrigo
Por me lembrar o
postigo
Do episódio que
vigora!
1ª versão: Jaboatão, 19 de agosto de 2004
2ª versão: Recife, 28 de junho de 2007.
E assim, como dizem por
aí, Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem quiser que conte
outra.
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